19 março 2022

Polêmica: Servidor da prefeitura de Goiana é demitido e alega intolerância religiosa; secretária municipal diz que houve falta de decoro

Foto: Divulgação/GoianaPE.com.br/Thyago Passos

Sérgio Ricardo Clementino da Costa entrou com ação na Justiça. Segundo secretária de Turismo e Desenvolvimento Cultural, Luciana César de Petribú, ele desrespeitou funcionários, chutou portas e agrediu servidora.

Um agente de turismo concursado da prefeitura de Goiana, na Zona da Mata, foi demitido e alegou ter sido vítima de intolerância religiosa pela gestão do município. Sérgio Ricardo Clementino da Costa, conhecido como Serginho da Burra, foi alvo de um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), que concluiu que ele cometeu transgressão disciplinar e que essa situação justificava a demissão.

Sérgio Ricardo trabalhava na prefeitura de Goiana há 15 anos. Ele entrou na Justiça contra o município com um pedido de reintegração ao cargo e de indenização por danos morais. Ele acusa a secretária municipal de Turismo e Desenvolvimento Cultural, Luciana César de Petribú, e a prefeitura de terem praticado os atos de intolerância religiosa.

Luciana Petribú disse ao g1 que a demissão de Sérgio Ricardo ocorreu por falta de decoro no local de trabalho (leia a resposta no fim do texto). O processo contra ele foi solicitado pela secretária em 8 de julho de 2021, em um ofício ao gabinete do prefeito Eduardo Honório Carneiro (União Brasil).

Numa representação contra o servidor, ela afirmou ter sido vítima de assédio moral e agressões por parte de Sérgio Ricardo, desde que assumiu o cargo, em janeiro de 2021. No texto, são citadas supostas "pressões psicológicas, morais e desrespeitosas a diversos antecessores do cargo" de secretário, inclusive contra o ex-prefeito Osvaldo Rabelo Filho (MDB), que morreu em janeiro de 2021.

No dia 9 de setembro de 2021, o prefeito decidiu instaurar o Procedimento Administrativo Disciplinar. Em 22 de fevereiro de 2022, foi emitido o relatório final da Comissão de Processo Disciplinar, que concluiu que Sérgio Ricardo cometeu "incontinência pública escandalosa e continuada". A demissão dele ocorreu no dia seguinte, em 23 de fevereiro de 2022.

Acusações

Segundo Sérgio Ricardo, os conflitos com a secretária municipal começaram depois que atitudes de Luciana Petribú não o agradaram como funcionário público e ativista pela cultura e pelo movimento de terreiros de matrizes africanas.

O servidor demitido contou, ainda, que sofreu perseguição política por parte da gestão, desde a instauração do Procedimento Administrativo Disciplinar. Além disso, afirmou que foi transferido para a Secretaria de Educação e, pouco tempo depois, voltou à Secretaria de Turismo e Desenvolvimento Cultural.

"Todo um desgaste, toda uma perseguição, todo um processo de perseguição política. Quando começa o processo das oitivas, de ouvir as testemunhas, foi que eu fiquei arrasado com tamanhas coisas colocadas nesse processo, dizendo que eu ia virar o carro do povo [...] colocar o nome do povo na boca do sapo. [Se aproveitaram] da minha religião para me difamar", declarou Sérgio Ricardo.

Ele também disse que a Comissão de Processo Disciplinar foi parcial e, nos depoimentos, deu preferência às declarações de funcionários comissionados, que teriam feito acusações contra ele, em vez de depoimentos de servidores, que teriam o isentado das denúncias.

"Os que me atacam, me difamam, são todos ligados ao prefeito, cargos de confiança. Porque todos os cargos efetivos ouvidos desmentiram isso. [Disseram] 'nunca ouvi Serginho chamar nenhum tipo de demônio, nenhum tipo de satanás, Serginho diz a seguinte frase: 'evangélico ora, o católico reza, eu não sou nem evangélico, nem católico, eu sou candomblecista, cultuo o catimbó de jurema''", disse o servidor demitido.

Outro lado

A secretária de Turismo e Desenvolvimento Cultural de Goiana afirmou que a demissão de Sérgio Ricardo "diz respeito a decoro, à falta de conduta de um funcionário público dentro do seu lugar de trabalho".

"Não é intolerância religiosa. Ele cometeu atos enquanto servidor público. Ele desrespeitou a casa, desrespeitou diversos funcionários. No tocante à religião, era só ele não invocar demônios na hora em que estava entrando na secretaria, e eu dizia a ele que isso não era conduta de um servidor público", disse Luciana Petribú.

Ela também afirmou que, contra Sérgio Ricardo, houve outros processos administrativos, que não culminaram em demissão.

"Ele chutou porta, ele tentou agredir uma senhora que, inclusive, é da religião dele, dentro da secretaria, na presença de várias pessoas. Ele insultou várias pessoas. Ele foi advertido verbalmente várias vezes. Inclusive, ele fez uma hashtag 'fora Petribú', que botou em todas as redes sociais, me julgando de incompetente", disse a secretária.

Por fim, Luciana Petribú disse que o processo que culminou na demissão dele foi longo e isento. "A cultura de Goiana é diversa, a gente trata todas as pessoas por igual. Ele que fica lá dizendo que sexta-feira é dia de matar bicho, de galinha, que vai botar nome das pessoas na boca do sapo. Quem usa a religião dele é ele, ninguém lá fala da religião dele", declarou a secretária.

Processo

O advogado Roberto Pinto, que representa Sérgio Ricardo, afirmou que a ação impetrada na Justiça contra a prefeitura foi pedida com tutela de urgência.

"É para que ele não sofra prejuízos que não possam ser reparados. Há muitas irregularidades no processo, uma fundação fática muito frágil. Os depoimentos são contraditórios, inconsistentes, não correspondem à conclusão do PAD. A questão da intolerância religiosa tem base em tudo o que foi dito desde a época anterior ao processo", declarou o advogado.

Roberto Pinto disse, ainda, que vai se reunir com o servidor demitido para discutir os próximos passos do processo.

"A Constituição Federal garante a liberdade religiosa, o pais é laico. Algumas testemunhas vinculadas à gestão falaram isso, as isentas, que tinham isenção para depor, disseram que isso [as acusações de assédio] não ocorreu", falou o advogado.

O g1 entrou em contato com o Ministério Público de Pernambuco, que disse não ter sido acionado sobre esse caso. Além disso, pediu que as vítimas de intolerância religiosa compareçam à promotoria "ou noticie os fatos ao Ministério Público através da Ouvidoria, considerando que é papel da instituição zelar pelo livre exercício das religiões".

A reportagem também entrou em contato com o Ministério Público do Trabalho, mas não obteve resposta até a última atualização deste texto.

 
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