Philippe Wolney, de Goiana, deu detalhes sobre a produção do livro ‘Ruinosas Ruminâncias’
A Praça da Palavra do FIG 2017 foi palco na noite desta quinta-feira (28) de um inédito encontro entre escritores pernambucanos durante o debate Premiações Literárias, uma conversa com os vencedores do IV Prêmio Pernambuco de Literatura e Prêmio Cepe Nacional de Literatura. O momento foi uma rica análise dos trabalhos destes autores, bem como uma troca de impressões sobre o fazer da escrita. Participaram deste momento Camillo José, Paulo Gervais, Philippe Wollney e Walther Moreira Santos, com a mediação do carismático garanhuense Nivaldo Tenório.
O evento foi precedido de uma atividade com as declamaradoras do Ariel Coletivo Literário, grupo de literatura da Paraíba que trabalha tanta com composições próprias como de outros poetas. “Este sarau que apresentamos no FIG se chama Paraíba Contemporânea, feito apenas com autores da nossa terra”, conta a integrante Clara Farias, que já esteve com o coletivo no festival em 2015. “Viemos com o sarau Dama da Noite, que é um sarau feminista e nós amamos voltar pra cá de novo nessa edição. É sempre uma grande honra pra gente fazer parte deste festival, ainda mais pra nós que somos de outro estado”.
Em seguida, o debate entre os escritores pernambucanos teve início com Nivaldo Tenório ressaltando a importância das premiações no sentido de dar destaque aos trabalhos literários. “O Prêmio Pernambuco é uma premiação extraordinária, e todo ano apresenta uma versão melhor. E eu gostaria de parabenizar também a CEPE que tem colaborado com as versões cada vez mais bonitas”.
Paulo Gervais, de Garanhuns, foi para falar sobre o livro Paulatim; Walther Moreira Santos, de Vitória, apresentou detalhes de Todas as coisas sem nome; José Camilo, do Recife, explicou a construção de A Dakimakura flutuante; e Philippe Wolney, de Goiana, revelou como escreveu a obra Ruinosas Ruminâncias. Álvaro Filho, autor do grande vencedor do IV Prêmio Pernambuco de Literatura, com o romance Curso de Escrita de Romance – Nível 2, não conseguiu participar porque atualmente mora em Lisboa.
“Quero começar a falar com um grande amigo que amo muito que é o Paulo Gervais, Seu livro fala da terra, sobre a família, mas é também uma invenção de memórias. Sua poesia exige do leitor uma concentração que é pouco comum de se encontrar. Se você tivesse que escrever uma introdução para um leitor pouco familiarizado com sua poesia, o que você nos diria?”, provocou Nivaldo Tenório na ocasião.
“Talvez eu o introduzisse neste universo, nas memórias da minha família. Eu acho que eu daria o exemplo de como a gente se constrói. Alguém já parou pra pensar como a gente se reconhece? Acho que a partir da leitura do livro você começa a se dar conta disso. Eu reuni uma série de papeis que contavam experiências da minha família, e ali eu identifiquei a mim mesmo. Essa narrativas organizadas não me constroem, na verdade me inventam. Ninguém é tão organizado, ninguém faz tanto sentido. Somos uma contradição”, opina o autor de Paulatim.
O mediador do debate comentou em seguida que teve a honra de participar da comissão julgadora que escolheu os vencedores do Prêmio Pernambuco de Literatura, e que um dos livros que mais gostou de ter lido foi o do autor de Todas as coisas sem nome. “Eu adoro ler contos. O teu livro tem uma perspectiva realista, há elementos fantásticos, e eu percebo que personagem de grande lastro humano. Então eu te pergunto: o que são essas coisas sem nome?”, questionou Nivaldo para Walther Moreira.
“Eu parto do principio de que nem todos os sentimentos tem nome. Vou dar um exemplo: Lembram daquele avião que saiu do Recife com destino a Paris e que explodiu, caindo por ali perto de Fernando de Noronha? Imagine um casal recém-casado que está indo para a capital francesa passar a lua-de-mel e pouco depois da decolagem os dois percebem que o avião vai cair. Que sentimento é esse? Também parto da ideia de que Judas não queria que Jesus fosse pego. Na verdade ele queria o dinheiro, e ele acreditava que seu mestre escaparia porque Jesus fez isso a vida inteira. Judas tanto não queria que isso acontecesse mesmo, que até o dinheiro que ele foi lá devolver depois. Quando ele percebe que Jesus vai morrer, que sentimento teve Judas? Que sentimento tem a pessoa que acorda no meio da noite numa enxurrada e perde tudo, ela fica apenas com a roupa do corpo: Você não tem nome pra isso. Essa é a ideia das 13 histórias que compõem o livro, um livro que fala sobre injustiça e cujos contos não tem título”, revela o escritor.
Sobre a obra de José Camillo, o autor de Dias de febre na cabeça debateu bastante sobre a estética e hipertextualidade presente em A Dakimakura flutuante. “A tua estética dialoga muito com o universo pop. Nele existem uma série de referencias aos seriados americanos, mundo da música, enfim, tudo que diz respeito a esse mundo. E eu notei no teu livro um parentesco com a poesia do Delmo Montenegro. Queria saber se você concorda com isso e me diga de que fontes tu bebes”, instigou o mediador.
“Eu concordo plenamente com a questão da influência do Delmo na minha escrita, inclusive uma das partes do livro, Brasiliana Sexualmente Escapes, é um trecho do poema Recife No Hay, que foi premiado na primeira edição do Prêmio Pernambuco de Literatura. Bebi muito da fonte e da ousadia que o Delmo tem de trabalhar uma linguagem de ruptura poética, mas também da própria estrutura do que seria a poesia no papel. As minha fontes partem desse mesmo tipo de subversão. Essa leitura do surrealismo como estética e como literatura, que infelizmente no Brasil não teve um estrondo tão grande quanto outras vanguardas, está muito presente atualmente. Eu bebo muito do Roberto Piva e da Ana Cristina César, e tentei mostrar o lado sério do pop. Existe toda uma geração iniciada sinceramente por aquilo e que teve uma formação de caráter a partir de elementos daquela cultura”, argumentou José Camillo.
Outra provocação de Nivaldo Tenório, desta vez direcionada ao escritor Philippe Wollney, tratou de duas coisas que chamaram a atenção dele no livro Ruinosas Ruminâncias. “A temática do amor e a sintaxe foram bem evidentes pra mim. Mas na sintaxe a gente percebe muitas palavras fragmentadas. Por que tanta fragmentação? É teu estilo ou foi um modo que você encontrou pra falar do amor nesses tempos que vivemos hoje?”.
“Eu gosto da palavra afetos. E o livro tem um afeto erótico, de companheiro e cumplicidade, desilusões e raiva. Você não tem um gênero narrador. A primeira, a segunda e até a metade da terceira, você não sabe se é de um homem ou uma mulher. A fragmentação também está dentro disso. A repetição destes fragmentos cria ressignificações até um esgotamento. A ideia da ruína, da relação do que se exaure. A ruína não é a imagem inicial, é o que em determinando momento sobra de um acontecimento. O livro começa todo fragmentado e depois vai se assentando. Na minha cabeça é um processo psicológico de alguém que passou por um processo traumático e que depois de um tempo a poeira vai baixando”, opinou Philippe Wollney.
Fonte: Cultura
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