Há cerca de 70 grupos da tradição no estado. O pedido de registro e o inventário da manifestação foram realizados pelo Governo de Pernambuco (Secult/Fundarpe). Foto: Laís Domingues/Divulgação
Na década de 1930, uma equipe de pesquisadores percorreu o Nordeste do Brasil para registrar as manifestações culturais e folclóricas da região, em especial a dança e a música. A iniciativa fazia parte da Missão de Pesquisas Folclóricas idealizada por Mário de Andrade que, à frente do Departamento de Cultura de São Paulo na época, se empenhava em investigar aspectos formadores da identidade nacional. Entre as manifestações registradas pela Missão, uma delas chamou a atenção do escritor modernista. “De todas as danças dramáticas que vi, os caboclinhos são o único bailado verdadeiro”, escreveu.
Passados mais de 80 anos do estudo pioneiro de Mário de Andrade, os caboclinhos são agora oficialmente reconhecidos como Patrimônio Cultural e Imaterial do Brasil. O título foi concedido na manhã desta quinta-feira (24/11), por unanimidade, no Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, na sede do Instituto Histórico e Artístico Nacional -IPHAN, em Brasília. Com o título, o caboclinho fica inscrito no Livro das Formas de Expressão e tem garantidos o reconhecimento, a valorização e a salvaguarda de um conjunto de bens culturais, saberes, fazeres e formas de expressão que o representam.
O Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural é composto por especialistas de diversas áreas, como cultura, turismo, arquitetura e arqueologia. Na votação, estavam gestores de órgãos públicos e mais 13 representantes da sociedade civil com conhecimento nos campos de atuação do Iphan.
O Secretário de Cultura Marcelino Granja e a presidente da Fundarpe Márcia Souto acompanharam a votação, bem como a deputada federal Luciana Santos, e alguns dos “donos” da brincadeira, como o presidente da Associação Carnavalesca dos Caboclinhos e Índios de Pernambuco – ACCIPE, Erivaldo de Oliveira (Peu); o presidente dos Caboclinhos 7 Flexas do Recife, Paulo Sérgio dos Santos Pereira (Paulinho 7 Flexas), o presidente do Clube Carnavalesco Tribo Indígena Tupã, Amauri Rodrigues de Amorim. Também estava presente o pesquisador Marcelo Renan, da Gerência de Preservação do Patrimônio Cultural, da Fundarpe.
Passados mais de 80 anos do estudo pioneiro de Mário de Andrade, os caboclinhos são agora oficialmente reconhecidos como Patrimônio Cultural e Imaterial do Brasil. O título foi concedido na manhã desta quinta-feira (24/11), por unanimidade, no Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, na sede do Instituto Histórico e Artístico Nacional -IPHAN, em Brasília. Com o título, o caboclinho fica inscrito no Livro das Formas de Expressão e tem garantidos o reconhecimento, a valorização e a salvaguarda de um conjunto de bens culturais, saberes, fazeres e formas de expressão que o representam.
O Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural é composto por especialistas de diversas áreas, como cultura, turismo, arquitetura e arqueologia. Na votação, estavam gestores de órgãos públicos e mais 13 representantes da sociedade civil com conhecimento nos campos de atuação do Iphan.
O Secretário de Cultura Marcelino Granja e a presidente da Fundarpe Márcia Souto acompanharam a votação, bem como a deputada federal Luciana Santos, e alguns dos “donos” da brincadeira, como o presidente da Associação Carnavalesca dos Caboclinhos e Índios de Pernambuco – ACCIPE, Erivaldo de Oliveira (Peu); o presidente dos Caboclinhos 7 Flexas do Recife, Paulo Sérgio dos Santos Pereira (Paulinho 7 Flexas), o presidente do Clube Carnavalesco Tribo Indígena Tupã, Amauri Rodrigues de Amorim. Também estava presente o pesquisador Marcelo Renan, da Gerência de Preservação do Patrimônio Cultural, da Fundarpe.
Foto: Divulgação
“Este é mais um bem cultural inventariado pela Secretaria de Cultura de Pernambuco e pela Fundarpe. Já conseguimos o registro de Patrimônio Imaterial para tradições importantes da nossa história e cultura, como o frevo, os maracatus, o cavalo-marinho. Agora temos o caboclinho. Com os caboclinhos, chegamos a mais uma expressão cultural que versa sobre o universo indígena e afro pernambucano. Essa representatividade contribui em outros assuntos por onde este bem cultural também transita, como as religiões de matrizes africanas e indígenas”, depõe o secretário de Cultura Marcelino Granja.
Foto: Divulgação/Iphan
Foto: Juarez Ventura/Divulgação
O pedido de registro dos Caboclinhos foi feito em 2008, pelo então governador Eduardo Campos, juntamente ao pedido de registro do Maracatu Nação, Maracatu de Baque Solto e Cavalo Marinho, que obtiveram o reconhecimento como bem cultural imaterial do Brasil em dezembro de 2014. Para subsidiar a candidatura, foi entregue ao Iphan, no dia 13 de agosto de 2013, um dossiê produzido entre dezembro de 2011 e novembro de 2012, com base na metodologia do Inventário Nacional de Referência Cultural (INRC).
Foto: Priscilla Buhr/Divulgação
O pedido de registro dos Caboclinhos foi feito em 2008, pelo então governador Eduardo Campos, juntamente ao pedido de registro do Maracatu Nação, Maracatu de Baque Solto e Cavalo Marinho, que obtiveram o reconhecimento como bem cultural imaterial do Brasil em dezembro de 2014. Para subsidiar a candidatura, foi entregue ao Iphan, no dia 13 de agosto de 2013, um dossiê produzido entre dezembro de 2011 e novembro de 2012, com base na metodologia do Inventário Nacional de Referência Cultural (INRC).
A oficialização da abertura do processo de registro aconteceu numa solenidade promovida pela Secult-PE na sede provisória do Governo (Centro de Convenções – Olinda) e contou com a presença do então governador Eduardo Campos e de diversos brincantes representantes desses quatro bens culturais. Todos os inventários são públicos e poderão ser disponibilizados, posteriormente, para fins de consultas, pesquisas, etc.
PESQUISA
No livro Patrimônios Vivos de Pernambuco; 2. ed., a pesquisadora e jornalista Maria Alice Amorim afirma que é “impossível não encantar-se com a sonoridade e as coreografias de um caboclinho.” Plena de leveza e agilidade, a coreografia aeróbica desses grupos populares representantes da cultura indígena enchem de graça ruas e olhares, principalmente durante o Carnaval, que é o foco da criatividade, da expressividade e da resistência do caboclinho.
Calcados numa sonoridade, numa dança e indumentária únicas, os caboclinhos passam boa parte do ano se preparando para as apresentações na festa de Momo. Por isso, são considerados e oficializados como agremiações carnavalescas.
Calcados numa sonoridade, numa dança e indumentária únicas, os caboclinhos passam boa parte do ano se preparando para as apresentações na festa de Momo. Por isso, são considerados e oficializados como agremiações carnavalescas.
Foto: Costa Neto/Divulgação
A geografia desses grupos compreende os estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba, havendo registros também em Alagoas e Minas Gerais. Pernambuco, no entanto, é onde há maior incidência, com presença significativa na capital, Recife, e na Zona da Mata Norte do Estado, região marcada pelos antigos aldeamentos jesuíticos e palco de diversas políticas indigenistas. Atualmente, se identificam cerca de 70 grupos de caboclinhos em todo o Estado de Pernambuco, dos quais aproximadamente 30 estão só na capital.
Na prática, o reconhecimento é também uma forma de garantir a permanência desta tradição para futuras gerações, já que é à base de muito sacrifício e trabalho que o caboclinho se mantém firme e vigoroso. “Depois que passa o Carnaval, nós só vamos fazer apresentações depois do mês de setembro. Não recebemos contribuição da sociedade para manter a tradição do caboclinho, tudo vem do nosso suor. É com o recurso do título de Patrimônio Vivo, concedido pelo Governo do Estado, que pagamos o aluguel da nossa sede, em Água Fria, onde estamos há mais de 20 anos. O restante é tudo a gente quem faz. As roupas, os adereços. Trabalhamos para 180 componentes, eu, minha mãe e dois irmãos” , comenta Paulinho.
CARACTERÍSTICAS
Embora os grupos de caboclinhos não sejam homogêneos, é possível reconhecer a presença de diversos elementos comuns aos brincantes, tanto na forma como no conteúdo, permitindo a eles sentirem-se parte de um mesmo universo. Assim como em diversas manifestações encontradas na Mata Norte do Estado, grande parte dos grupos de caboclinho é marcada por um conjunto de práticas e saberes que envolve arte, celebração e, sobretudo, religiosidade. Seus brincantes ou pelo menos boa parte deles o concebem como uma forma de se relacionar com uma das muitas entidades da categoria cabocla, presentes na tradição da jurema.
Derivada de uma planta de mesmo nome, a jurema é um complexo religioso fundamentado no culto aos mestres, caboclos e reis, com origem nos povos indígenas nordestinos. A planta de cujas raízes ou casca se produz a bebida tradicionalmente consumida durante as sessões, é o símbolo maior do culto.
De caráter inconfundível, a musicalidade dos caboclinhos é executada por instrumentos exclusivos desta manifestação. De acordo com o Inventário Nacional de Referência Cultural (INRC), “as melodias são executadas na gaita – flauta reta, de quatro furos, confeccionada principalmente em alumínio, pvc ou latão –, acompanhada por um membranofone – denominado tarol, surdo ou bombo –, um idiofone de chocalhar, podendo ser um caracaxá ou um ganzá (também denominado por grupos da Zona da Mata Norte de Pernambuco de “mineiro” ou simplesmente “maraca”), além da já mencionada preaca. Alguns grupos utilizam também um atabaque, membranofone de formato cônico ou cilíndrico, executado exclusivamente em um ritmo denominado macumba (ou macumbinha) de índio”.
Além da música, a performance dos caboclinhos inclui dança e, em alguns grupos, um recitativo ou drama. Nos grupos do Recife, esses dramas, em forma de autos, foram mais adotados no passado, principalmente entre as décadas de 1940 e 1950. Hoje, são mais comuns os gritos de guerra e a declamação curta de loas que, improvisados ou não, marcam a melodia executada pelo gaitista e entram em sincronia com a regular batida das preacas, conjunto de arco e flecha em madeira característico da performance.
A dança, considerada por Mário de Andrade “o único bailado verdadeiro”, é executada pelos participantes nas ruas. Eles se apresentam, geralmente, em duas filas, cada um deles portando uma preaca, cujo bater de flechas é a principal marca da performance desses grupos. Segundo Maria Alice Amorim, “no caboclinho, o núcleo familiar lidera todas as atividades: onde há a casa, há a sede do brinquedo, a oficina de dança com os ensaios semanais, as sessões de costura e bordado, as reuniões, os preparativos de cada carnaval, enfim, a colorida e melodiosa alegria, a firmeza dos gritos de guerra do folguedo, mesmo quando em repouso tocadores e bailarinos”.
A roupas, por sua vez, são um espetáculo à parte. Zelosos, os grupos cuidam para que as fantasias tenham bordados primorosos, com plumas e penas de ave vistosas a fim de que as manobras e danças ganhem ainda mais vivacidade e exuberância.
Ainda de acordo com o INRC, as sedes dos caboclinhos estão localizadas, em sua maioria, na própria residência do dono ou dirigente da agremiação. Estas, em geral, sobretudo no que diz respeito aos grupos mais antigos, tiveram seus endereços de fundação modificados diversas vezes, sendo o sentido cultural do espaço reconstruído a cada novo endereço.
Cultura
Na prática, o reconhecimento é também uma forma de garantir a permanência desta tradição para futuras gerações, já que é à base de muito sacrifício e trabalho que o caboclinho se mantém firme e vigoroso. “Depois que passa o Carnaval, nós só vamos fazer apresentações depois do mês de setembro. Não recebemos contribuição da sociedade para manter a tradição do caboclinho, tudo vem do nosso suor. É com o recurso do título de Patrimônio Vivo, concedido pelo Governo do Estado, que pagamos o aluguel da nossa sede, em Água Fria, onde estamos há mais de 20 anos. O restante é tudo a gente quem faz. As roupas, os adereços. Trabalhamos para 180 componentes, eu, minha mãe e dois irmãos” , comenta Paulinho.
CARACTERÍSTICAS
Embora os grupos de caboclinhos não sejam homogêneos, é possível reconhecer a presença de diversos elementos comuns aos brincantes, tanto na forma como no conteúdo, permitindo a eles sentirem-se parte de um mesmo universo. Assim como em diversas manifestações encontradas na Mata Norte do Estado, grande parte dos grupos de caboclinho é marcada por um conjunto de práticas e saberes que envolve arte, celebração e, sobretudo, religiosidade. Seus brincantes ou pelo menos boa parte deles o concebem como uma forma de se relacionar com uma das muitas entidades da categoria cabocla, presentes na tradição da jurema.
Derivada de uma planta de mesmo nome, a jurema é um complexo religioso fundamentado no culto aos mestres, caboclos e reis, com origem nos povos indígenas nordestinos. A planta de cujas raízes ou casca se produz a bebida tradicionalmente consumida durante as sessões, é o símbolo maior do culto.
De caráter inconfundível, a musicalidade dos caboclinhos é executada por instrumentos exclusivos desta manifestação. De acordo com o Inventário Nacional de Referência Cultural (INRC), “as melodias são executadas na gaita – flauta reta, de quatro furos, confeccionada principalmente em alumínio, pvc ou latão –, acompanhada por um membranofone – denominado tarol, surdo ou bombo –, um idiofone de chocalhar, podendo ser um caracaxá ou um ganzá (também denominado por grupos da Zona da Mata Norte de Pernambuco de “mineiro” ou simplesmente “maraca”), além da já mencionada preaca. Alguns grupos utilizam também um atabaque, membranofone de formato cônico ou cilíndrico, executado exclusivamente em um ritmo denominado macumba (ou macumbinha) de índio”.
Além da música, a performance dos caboclinhos inclui dança e, em alguns grupos, um recitativo ou drama. Nos grupos do Recife, esses dramas, em forma de autos, foram mais adotados no passado, principalmente entre as décadas de 1940 e 1950. Hoje, são mais comuns os gritos de guerra e a declamação curta de loas que, improvisados ou não, marcam a melodia executada pelo gaitista e entram em sincronia com a regular batida das preacas, conjunto de arco e flecha em madeira característico da performance.
A dança, considerada por Mário de Andrade “o único bailado verdadeiro”, é executada pelos participantes nas ruas. Eles se apresentam, geralmente, em duas filas, cada um deles portando uma preaca, cujo bater de flechas é a principal marca da performance desses grupos. Segundo Maria Alice Amorim, “no caboclinho, o núcleo familiar lidera todas as atividades: onde há a casa, há a sede do brinquedo, a oficina de dança com os ensaios semanais, as sessões de costura e bordado, as reuniões, os preparativos de cada carnaval, enfim, a colorida e melodiosa alegria, a firmeza dos gritos de guerra do folguedo, mesmo quando em repouso tocadores e bailarinos”.
A roupas, por sua vez, são um espetáculo à parte. Zelosos, os grupos cuidam para que as fantasias tenham bordados primorosos, com plumas e penas de ave vistosas a fim de que as manobras e danças ganhem ainda mais vivacidade e exuberância.
Ainda de acordo com o INRC, as sedes dos caboclinhos estão localizadas, em sua maioria, na própria residência do dono ou dirigente da agremiação. Estas, em geral, sobretudo no que diz respeito aos grupos mais antigos, tiveram seus endereços de fundação modificados diversas vezes, sendo o sentido cultural do espaço reconstruído a cada novo endereço.
Cultura