Nascido em Goiana, José Ursicino da Silva traz os ritmos pernambucanos na sua alma de artista
O maestro Duda costuma dizer que já veio ao mundo ao som do frevo. Quando a banda Saboeira tocava o ritmo em frente a sua casa durante a festa de Natal de 1935 do município de Goiana, José Ursicino da Silva, como foi batizado o músico, veio ao mundo convidado pela folia. Nesta quarta-feira, dia 23, quando ele completa seus 80 anos de vida, o maestro consegue citar muitos episódios que transformaram a sua vida, mas algumas coisas permanecem as mesmas. Mais uma vez o Natal chegou, porém o compositor já vive um intenso Carnaval.
Embora ainda não saiba precisar em quais datas sua Orquestra irá tomar conta dos palcos de Pernambuco nos próximos meses, o maestro Duda já está com a agenda atribulada, por conta das gravações do disco da Orquestra Frevo do Mundo. O projeto é produzido por Pupillo, baterista da Nação Zumbi, que tem se destacado no cenário nacional por colaborar com alguns dos nomes mais fortes da música brasileira, como Gal Costa e Marisa Monte.
Até agora, maestro Duda já preparou os arranjos para duas músicas do álbum, que terá a cantora paulistana Céu nos vocais principais. “Ela é Tarja Preta”, de Arnaldo Antunes, e “A Filha da Chiquita Bacana”, de Caetano Veloso, são as duas faixas que já estão nos reparos finais. Essa última, por sinal, conta com a participação do próprio autor baiano. No entanto, aliar seu trabalho ao de outros gigantes da música nacional não é novidade para o pernambucano.
O próprio Caetano Veloso está na lista de admiradores do maestro. “Há uns cinco anos, ele veio passear aqui no Carnaval e pediu a produção dele para levá-lo ao meu show, no Marco Zero. Quando subi no palco, o vi sentado no chão, na parte onde ficam os convidados. Então toquei um frevo que ele adora, e que já gravei com Maria Bethânia, o ‘Frevo Nº 1 do Recife’. Deram um microfone a ele na hora e ele cantou junto com a gente”, relembra Duda, ao informar que a sua gravação com Bethânia é a de 1989, do disco “Recifrevo”.
A baiana gravou a canção primeiro em 1969 com um arranjo de piano e escorregou na letra de Antônio Maria ao cantar “Haroldo Farias, Colaço”. “Haroldo era meu amigo e quando soube que eu ia gravar com ela, pediu pra eu avisar do nome certo, que era Fatia”, diverte-se ele, ao falar do colega, jogador de futebol do Sport Club, que recebeu o apelido de Fatia por conta do corpo esbelto. A amizade com as estrelas começou, principalmente, a partir do trabalho como arranjador da orquestra da recém-inaugurada TV Bandeirantes, em 1967.
“Morei em São Paulo entre 1967 e 1969. Estava regendo a orquestra durante a apresentação de Os Mutantes, em 1968, no III Festival Internacional da Canção. Eles se apresentaram de costas, a plateia jogou ovos e tomates, pegou tudo em mim”, diz Duda, sobre o ato de protesto da banda, com a música “É Proibido Proibir”. No período em que esteve em São Paulo, o maestro ainda foi arranjador de vários nomes que estavam no auge na época, como Wanderley Cardoso e Vanusa. Quando voltou para Pernambuco, montou a sua própria Orquestra, evidenciando suas composições de frevo.
PERNAMBUCO
A formação musical iniciada aos 10 anos na tradicional banda Saboeira, da qual o pai fazia parte, preparou o maestro Duda para uma vida profissional versátil. Além de ter explorado vários ritmos, como dobrado, valsa, choro, maxixe, samba e frevo, o músico também passou por vários instrumentos até chegar ao sax. “Comecei com o saxhorn, passei pra requinta até que os dedos crescessem para tocar clarinete. Quando cheguei no sax, aos 14 anos, aí vim para o Recife, para tocar na Jazz Band Acadêmica”, conta ele.
A Jazz Band, criada por Capiba e parte da formação de gente como Fernando Lobo e Chacrinha, foi a responsável por levar Duda à televisão. Primeiramente, para a TV Jornal do Commercio e depois à Bandeirantes, em São Paulo. O envolvimento com os grandes festivais de música, moda na época, também o ligam aos primeiros passos de Alceu Valença.
“Em 1969, Alceu já era compositor, e me apresentou uma cantiga bonita, chamada ‘Acalanto para Isabela’. Quando eu fiz o arranjo e a música foi classificada no Festival Internacional da Canção, ele perguntou: ‘e agora, quem vai cantar?’. Eu respondi que ele mesmo. Ele tomou gosto pela coisa e até hoje está em cima do palco”, comenta Duda. “Sempre que Alceu faz frevo hoje, ele liga para saber minha opinião”, diz ele, sobre a amizade que perdura.
A lista de pernambucanos que o tiveram como mestre se estende e passa por Lenine, que tocou guitarra na sua orquestra no início da década de 1980. “Ele me disse que queria aprender”, recorda o maestro, que leva o frevo como sua principal bandeira.
“A única vez que não coloquei frevo em uma suíte minha foi na “Suíte Monette”, porque eu estava chateado com a política daqui. Recebi um convite da Orquestra Sinfônica de Curitiba, que queria uma música que representasse o País inteiro e eu fui escolhido pra fazer essa peça. Os políticos da época começaram a me escantear e, com raiva, encerrei a suíte com um boi maranhanse. Mas tenho aquela doença de pernambucano, não terminei com frevo, mas deu vontade, então comecei com a ciranda, pelo menos”, explica.
Atualmente, o maestro ainda se mostra insatisfeito com política voltada para a cultura. “O Carnaval é fonte de renda. A gente pena o ano todinho porque só tem trabalho naquele período e ultimamente só recebe sete meses depois. O frevo não é bem divulgado aqui e eu tenho a impressão que o Brasil emburrou, porque você só ouve musica de má qualidade na rádio. Quem toca é quem tem mais dinheiro pra pagar a divulgação”, lamenta ele, mas também comemora que a composição “Fantasia Carnavalesca” tenha tocado inteira no veículo recentemente. Enquanto houver inspirações como a de Duda, nada está perdido.
FolhaPE