27 novembro 2014

4ª Mostra Canavial de Cinema: Ver com os próprios olhos

Por André Dib

Rodeada de cana por todos os lados, as cidades da Zona da Mata Norte concentram um grande número de violações aos diretos humanos: saneamento precário, trânsito desordenado (motocicletas a mil por hora), patrimônio sem manutenção, desrespeito às leis trabalhistas, poucas opções de cultura e violência contra a mulher, racismo, homofobia. A cultura popular surge como alento, um respiro de humanidade que transcende em dimensões paralelas.

À parte disso, um grande pólo industrial vem sendo construído na região. Nos últimos meses, duas empresas de porte, uma de automóveis (a Fiat) e outra de hemoderivados e biotecnologia (a Hemobrás) abriram fábricas no município de Goiana, o maior da região. Duas grandes corporações encontram 400 anos de cultura do açúcar.

Outro alento, dois anos antes dos gigantes caminharem nos canaviais, uma ação conjunta entre prefeitura e Governo do Estado trouxe de volta para Goiana um dos cinemas de rua mais antigos do país: o Cineteatro Polytheama, que em 2014 completou 100 anos. Um ato de respeito e carinho com a memória local e do próprio cinema.

No entanto, desde que foi restaurado, falta ao Polytheama aquilo para que havia sido construído: sessões de cinema. Isso foi poética e politicamente lembrado por um grupo de cineclubistas, que na noite da reinauguração fez uma exibição pública na parede externa. Entre os jovens estava Caio Dornelas, que no ano seguinte criaria a Mostra Canavial de Cinema.

Retomada – Já na primeira edição, Caio formou um sistema independente de exibição de filmes em seis cidades da Mata Norte pernambucana. Ele vê o ato como parte de uma retomada do cinema da região, onde as últimas salas de rua fecharam as portas nos anos 1980. “Além de articular as cidades, ganhamos visibilidade. Parece algo simples mas é militância política”, diz.

Atualmente, oito cidades recebem exibição de filmes, debates, cursos e seminários. “Historicamente, são poucas as opções de trabalho na Zona da Mata. Em 2012 fundamos o Núcleo de Produção Engenho Digital, estimulando novos caminhos”.

Despertar –  Tema da mostra desse ano, os direitos humanos se tornaram presentes não apenas pelo apelo temático dos curtas programados por Rodrigo Almeida. Ainda que os debates no final de cada sessão – exercício que remete à origem cineclubista do projeto – tenham sido pautados pelos assuntos levantados pelos filmes, a contribuição efetiva se dá na diversidade de ideias, pontos de vista e formas narrativas estabelecidas pelo conjunto.

“Só se vê um filme com os próprios olhos”, escreveu o crítico Inácio Araújo. A tomada de consciência passa por aí. Falando com o público de igual para igual, sem os superlativos tornam eventos reféns de si mesmos. No caminho se cruzam formas de olhar e agir, para além das que já estão disseminadas no pensamento único, dominante. Não raro, incorporado e reproduzido por nós mesmos.

O cinema está aí, à nossa espera.

Assessoria
 
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