Por Jamille Coelho, da coluna Folha Econômica da FolhaPE
"PEsado: Origem e Consolidação do Metal Pernambucano" é o primeiro registro da cena que resiste há mais de 30 anos
Ao contrário do que muitos pensam, nem só do frevo, do maracatu e do manguebeat vive a cena musical de Pernambuco. Não mesmo. Por aqui, o heavy metal é um dos principais expoentes desde o início da década de 1980, quando chegam os primeiros discos do gênero ao Estado. Nesta época, surgiram as primeiras bandas, os primeiros espaços, lojas especializadas e protagonistas de uma cena que resiste há 30 anos - que sentem a mesma paixão desde que foram ao primeiro show de suas vidas, o que representa um momento de ruptura cultural. Relatos extraordinários a respeito do assunto são contados em "Pesado: Origem e Consolidação do Metal Pernambucano". O livro é uma iniciativa inédita no Estado, que será lançado nesta terça (11), às 19h, no Rocket 48, no Espinheiro, e foi produzido pelo jornalista Wilfred Gadêlha, que milita nesse universo desde 1989 e, atualmente, é vocalista das bandas Cruor (thrash metal) e Câmbio Negro (hardcore).
Com projeto gráfico assinado pelo designer Alcides Burn, "PEsado", apesar de não seguir uma cronologia, contextualiza e situa bem o leitor em cada fase da consolidação da cena heavy metal e seus subgêneros no Recife e no Interior. Relata os causos de quem teve a honra de experimentar cada episódio que contribuiu para a consagração do movimento e faz uma reflexão sobre os headbangers que encontraram no metal uma forma de se identificar com o mundo social. "O livro não começa com o primeiro show do Herdeiros de Lúcifer (pais do heavy metal pernambucano). Começa com as histórias da casa de Humberto de Brito, uma das figuras mais enigmáticas que já conheci e que é o guru de uma geração que fez de sua residência um "point cultural, já na década de 70 (local onde se podia fazer grandes aquisições de discos clássicos como os do Sabbath, Rush e Genesis)", conta Gadêlha.
Tudo começa com os pioneiros da psicodelia pesada no Estado, com o Phetus de Zé da Flauta, Laílson e Paulo Rafael e depois surgem Herdeiros de Lúcifer, Cruor, Saidst (a primeira banda de death metal) Fire Worshipers, Cérbero, Dark Fate, Caco de Vidro, Arame Farpado, The Ax, Câmbio Negro, Putrefação, Storms, Crematorium, Psyc Acid, Extreme Death, e outras que deram origem à cena, que na década de 90 pariu um som mais extremo. Como é o caso do Malkuth, a primeira banda de black metal do Estado, o As The Shadows Fall, o Infected, o Decomposed God, o Infested Blood e o Hanagorik de Surubim, que acabou, e apesar de ter uma estética inconstante, começou com um som agressivo, influenciando muitas bandas do Interior também nasceu nos anos 90 e foi, inclusive, a que mais fez turnês fora do País.
Foto: Divulgação
Dessa árvore genealógica do Metal nascem as mais recentes formações, como é o caso do Cangaço - que mal se colocou na cena e já participou, em 2010, do Wacken, um dos principais festivais de Metal do mundo -, Oddium, Inner Demons Rise, Beast Conjurator, Pandemmy, Vocífera e mais uma porrada. Enfim, "PEsado" é um convite para os conhecedores do Heavy Metal mergulharem e se deliciarem em cada palavra e história contada de uma cena, que jamais envelhecerá, que sobrevive de maneira independente, e é movida pela paixão de reencontrar os brothers em shows, ouvir som e bater cabeça.
A disseminação a partir dos guetos
"PEsado" trata ainda sobre a importância de casas de shows como o Dokas Hall e bares Beco da Fome, Prazeirinho e o Bomber, além de lojas de discos como a Mausoleum (a primeira, fundada em 1985), Blackout Discos, Disco de Ouro e Vinil, no estímulo a origem de mais bandas de som pesado. Bandas que não se concentraram, nem se concentram, apenas na Capital, já que a abertura de mais canais de distribuição de discos e materiais de bandas gringas foram fundamentais para disseminar o gênero em cidades como Caruaru - hoje um dos principais celeiros da música pesada -, Goiana, que já teve seus momentos áureos, Vitória de Santo Antão, Surubim, Carpina e outras.
Outra importante discussão abordada no livro trata da valorização dos trabalhos de bandas locais. Antigamente, os metaleiros - vamos assim dizer - não tinham acesso a shows de grandes bandas, e por isso o público valorizava mais as atrações da casa. Hoje, o processo é inverso, e aí está a justificativa para os bangers frequentarem mais shows de grupos renomados do metal mundial, que vem acontecendo com frequência. Nos últimos anos, passaram por aqui o Motorhead, Destruction, Ufo, Death Angel, Iron Maiden, Dark Funeral, Gorgoroth, Ufo, Exodus, Megadeath, Belphegor, Ragnarok e mais.
"Em 1989 e 1990, quando comecei a militar no heavy metal, você não tinha opção. Não via o Iron Maiden e o Destruction no Recife. Então, a gente tinha que ver shows do Fire Worshipers, Caco de Vidro, Cruor...Você criava uma identificação com as bandas locais. Recentemente, estive no Carmetal e tinha muita gente, cerca de 250 pessoas, mas no fim da década de 80 os eventos com bandas locais davam um público superior a isso. Hoje, a galera prioriza sair de casa para ver shows grandes. Entendo o processo, porque a lógica é outra, os comportamentos são outros", justifica Gadêlha.
PESQUISA - O registro é fruto das pesquisas "Transformação - A cena Metal no Recife pós-mangue e Além da Capital. Música pesada no interior de Pernambuco", que contou com mais de 90 entrevistas. Wilfred Gadêlha, que participou dos estudos, coletou mais 60 depoimentos, fuçou diversas edições dos fanzines especializados da época e contou com as lembranças de quem viveu intensamente muitas das experiências ao longo de 30 anos.
PESQUISA - O registro é fruto das pesquisas "Transformação - A cena Metal no Recife pós-mangue e Além da Capital. Música pesada no interior de Pernambuco", que contou com mais de 90 entrevistas. Wilfred Gadêlha, que participou dos estudos, coletou mais 60 depoimentos, fuçou diversas edições dos fanzines especializados da época e contou com as lembranças de quem viveu intensamente muitas das experiências ao longo de 30 anos.
DOCUMENTÁRIO - Os registros do Metal em Pernambuco não encerram com "PEsado", que deve ganhar por esses dias sua versão para eBook. No segundo semestre, Gadêlha e Léo Falcão começam a trabalhar juntos para a produção de um documentário. A ideia é mostrar a geração do Beco da Fome, o que veio antes do Mangue e a boa relação entre metaleiros e punks. Além disso, em abril, o autor da publicação volta a escrever com maior frequência sobre Heavy Metal e, para isso, lançará seu próprio site.