A decisão de cumprir a Lei de Acesso à Informação tem levado uma das casas legislativas mais antigas do Brasil a preservar o passado. Desde o início do ano, a Câmara de Vereadores de Igarassu trabalha para catalogar e digitalizar todos os documentos relacionados à administração pública da cidade. Um baú de história começa a ser aberto com papéis amarelados que levam ao século 16. “Implantamos o SAPL (Sistema de Apoio ao Processo Legislativo) este ano e tudo o que produzimos hoje é lançado, automaticamente, na rede. Mas modernidade não é desculpa para esquecer o passado”, disse o presidente da Câmara, vereador Ademar de Barros (PDT).
O processo foi dividido por etapas e, neste primeiro momento, livros de leis, atas, transcrições e documentos semelhantes têm sido limpos e organizados por grupos, de acordo com datas. Tal missão coube à bibliotecária Izabela Nóbrega e ao atual guardião do arquivo, Everaldo Félix, um servidor com 28 anos de Casa. O livro mais antigo sobre o qual eles se debruçaram até agora data de 1928. É uma coletânea de atas, cujo primeiro registro é o detalhamento orçamentário da prefeitura naquele ano. “Ainda vamos abrir muitos outros, ver coisas mais antigas. É um trabalho demorado, mas importante porque resgata a história não apenas de Igarassu, mas de várias cidades que antes faziam parte da nossa”, acrescentou a bibliotecária.
Ela cita como exemplos Araçoiaba, Itapissuma e Itamaracá. “Tenho aqui uma lei de 1938 delimitando os perímetros urbanos e suburbanos dessas três localidades, na época em que Itamaracá ainda era Vila Pilar, e Araçoiaba, Chã de Estevan”, citou Izabela Nóbrega. Outro papel encontrado é a autorização para se contratar colocação de luz elétrica na mesma Vila Pilar. Esse de 24 de abril de 1930. No século 18, Igarassu compreendia terras que hoje correspondem a vários municípios pernambucanos, entre eles Limoeiro e Taquaritinga do Norte. A expectativa é encontrar, também, informações referentes a eles.
Documentos que trazem aspectos curiosos de Igarassu, como o decreto que restitui a Santo Antônio o título de vereador perpétuo da cidade, em 1951, honraria concedida pelo rei de Portugal Dom João I, em 1754, estão na fila para serem digitalizados. “O mais importante desse trabalho é que ele poupa essa documentação de se deteriorar, inclusive com manuseios sem cuidado e idas e vindas que possam ocorrer na Câmara. Depois desse resgate, poderemos encontrar coisas mais pitorescas e importantes, a partir de leituras com calma”, ressaltou o historiador do município, professor Jorge Barreto.
Ele comenta que as leis mais antigas da freguesia dos Santos Cosme e Damião, como era conhecida Igarassu em seus primeiros anos de vida, estão arquivadas no museu da cidade. São escritos do 2º Livro de Tombos da Vila de Igarassu, do ano de 1782. São os primeiros documentos da localidade, que este ano completou 478 anos no dia 27 de setembro. “Foram transcritos nesses papéis outros livros e documentos ainda mais antigos que, à época, estavam em situações mais precárias”, explicou Barreto. Um dos principais registros dele são as delimitações urbanas, normatizações e planos diretores do século 17. A digitalização dos arquivos do museu, assim como os que estão na prefeitura, está prevista para ser feita pela Câmara, assim que todos os papéis da Casa Legislativa estiverem na rede.
Reivindicações de hoje são as mesmas de 200 anos atrás
As reclamações sobre diminuição nos repasses para o Legislativo de Igarassu poderiam ser uma notícia de hoje, não fosse a data no topo das páginas que remete há mais de duzentos anos. “Há documentos com vereadores se queixando da queda nos recursos da Câmara desde século 18. Muito desses cortes ocorreram por causa das emancipações. Igarassu abrangia grande parte das terras da Zona da Mata Norte”, contou o historiador Jorge Barreto. Na época, a Casa tinha sete vereadores, praticamente todos senhores de engenho. Atualmente conta com 14, incluindo o Santo Antônio, que tem mandato perpétuo.
O professor comenta que essa falta de verba pesa quando se fala na preservação das casas legislativas, “um problema que se repete na maioria dos prédios públicos sejam onde forem”. Na Câmara de Igarassu, por exemplo, até o início deste ano, todos os documentos, inclusive os mais antigos, eram guardados em caixas, sendo muitos papéis presos com grampos de ferro, em local abafado. “Este ano consegui climatizar o arquivo. Não foi fácil porque é um prédio tombado, tem uma série de regras”, comentou, orgulhoso, o presidente da Câmara, Ademar de Barros (PDT).
Porém, em se tratando de um município de 478 anos, um dos maiores obstáculos para o resgate dos documentos administrativos está em um passado marcado por dois desastres. “Em 1632, os holandeses incendiaram a cidade e muito do que estava na Câmara se perdeu. Depois, em 1950, teve uma grande enchente e a Casa Legislativa funcionava na parte baixa da cidade, ficando completamente inundada”, relatou Barreto.
Ele afirma que, no último episódio, grande parte do acervo só pôde ser salva porque o avô dele, Guilherme Jorge Paes Barreto, que também foi vereador na década de 1950, costumava guardar cópias de tudo o que se produzia em termos de leis. “Quando Ademar (de Barros) presidiu a Câmara em 1996, ele me pediu para fazer cópias dessas cópias do meu avô e elas foram devolvidas ao Legislativo”, completou.
Alguns documentos encontrados
- Livro de Beneficiência do Município de Igarassu com nomeações e doações iniciado em 4 de outubro de 1942;
- Reclamação sobre má qualidade do transporte público na cidade feita por um vereador em plenário no ano de 1962. Eram reportados atraso nos ônibus, falta de transporte após às 22h e superlotação (venda de mais passagens do que cadeiras presente no ônibus);
- Lei proibindo construção de telhados de palha ou capim no perímetro urbano e principais avenidas da cidade, vilas e povoados. “Somente em caso de notória pobreza com atestado da polícia, concederá prorrogação do prazo que não excederá seis meses”. Multa de Cr$ 100,00. O texto é de 7 de março de 1951;
- Documento escrito em 12 de maio de 1938, delimitando as zonas urbanas e suburbanas de Igarassu, Itapissuma, Chan de Estevan (Araçoiaba) e Vila do Pilar (Itamaracá);
- Decreto reincidido contrato para colocação de iluminação elétrica na Vila do Pilar (Itamaracá) em abril de 1930;
- Decreto de 1 de novembro de 1951 restituindo a honraria do título de vereador a perpétuo a Santo Antônio, colocação da imagem dele no plenário e subsídio anual de Cr$ 500 destinado ao Pão dos Pobres (distribuído anualmente no convento de Santo Antônio).
DiárioPE