Dário sonhou em ser trapezista. Foi muitas outras coisas. E teve a vida mudada com o novo mapa de Goiana
O circo perdeu um aspirante a trapezista. Os bares e restaurantes perderam um garçom. A usina de cana-de-açúcar perdeu mão de obra para a moagem. Teve gente que ficou sem pedreiro, faxineiro, pintor, lavador, carregador. Durante 20 anos, o recifense Dário Evangelista de Souza, 43, foi tudo isso e mais o que aparecesse pela frente. Até que, em 2010, acabou contratado para trabalhar nas obras da Hemobrás. Hoje, é um dos 450 profissionais que ajudam a construir a fábrica de R$ 670 milhões que vai produzir hemoderivados em Goiana, na Mata Norte do estado. Se não for o mais famoso, é um dos mais. Conhece todo mundo. Só falta dar autógrafos.
Dário entrou na Hemobrás como servente de pedreiro. Fazia massa, carregava tijolos, areia, cimento. Virou auxiliar de serviços gerais. Serve café, limpa o escritório. “Mas esse não é o meu alvo. Pretendo ir um pouco mais adiante. Quero virar zelador”, diz o quase trapezista, que estudou apenas até a segunda série do ensino fundamental e só conviveu com os pais até os oito anos de idade, quando eles se separaram. Cada um foi para o seu lado. O menino, caçula de 11 filhos, “foi morar na casa dos outros”.
Dário viveu de casa em casa até ir parar na de uma irmã mais velha, em Goiana. Tinha 18 anos quando decidiu seguir com uma trupe circense. Durante cerca de um ano, trabalhou como peão. Desmontava e montava a lona. Fazia o serviço pesado, sempre sonhando com o picadeiro. Com o tempo, mudou de ideia. Largou o circo. “A gente vai descobrindo no decorrer da vida o que é o forte da gente, qual é o alvo. A gente vai fazendo um pouco até dizer ‘vou seguir por aqui’.” Mas ele não voltou logo para Goiana. Foi para Vitória de Santo Antão, onde trabalhou como garçom.
Dário ainda espera crescer na Hemobrás, onde trabalha desde 2010. Obras civis devem sem concluídas em 2014
Quando voltou para a casa da irmã, não estava mais só. Tinha conhecido Laudicéa, com quem decidiu construir uma família. Juntos fizeram Dário, 22, Daiane, 20, Douglas, 18, e Diego, 14. O mais velho já está encaminhado na vida. Tem o curso técnico de contabilidade e trabalha em uma empresa de montagem de câmeras de segurança. Daiane deu uma parada depois de concluir o ensino médio, mas Dário espera que ela se anime a continuar. O mais novo quer ser policial. E Douglas deseja trabalhar como auxiliar de escritório. “Disse para ele continuar estudando. Quando se sonha com os pés no chão fica mais fácil de alcançar o sonho”, ensina.
Agora Dário quer levar Laudicéa para trabalhar na Hemobrás. Se conseguir, será o primeiro emprego dela. Dário tem esperança. Aconteceu com ele, afinal. Foi o fim de um período de incertezas. A cana só dava emprego certo por cinco meses. Os outros sete eram de bicos. “Às vezes faltava o pão na mesa.” Hoje, a situação é diferente. Para ele e outras famílias. “As fábricas que estão vindo para cá vão abrir muitas vagas de emprego. Tem gente deixando a cana para trabalhar. Imagino que daqui a 10, 15, 20 anos nossos filhos e netos estarão empregados.” Mas para que eles estejam realmente empregados, ainda é preciso investir em qualificação.
O Senai e o Senac trabalham em parceria com a UPE, o Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) e outras entidades para formatar um programa e capacitar 30 mil pessoas até 2015. Dados da Agência de Desenvolvimento de Goiana (AD Goiana) mostram que a instalação dos empreendimentos nos polos farmacoquímico (capitaneado pela Hemobrás) e automotivo (com a fábrica da Fiat à frente) deve gerar mais de 23 mil empregos até 2016. Mas o gargalo não está apenas na qualificação. “O saneamento tem que melhorar. E há muitas ruas esburacadas. Precisa melhorar para darmos boas-vindas a quem vem de fora”, lembra Dário.
Obras da Hemobrás muda geografia econômica
Videorreportagem: Tatiana Nascimento/DP/D.A Press
Diário de Pernambuco